quarta-feira, março 08, 2006

O Dia D-Elas

E então Deus, em sua infinita sabedoria criou o homem. E o largou sobre a terra para que reinasse soberano. O tempo passou e logo Deus percebeu, que o homem sozinho, não bastaria.

Já tinham se passado alguns anos desde sua criação, e ele, continuava lá, no paraíso, sentado sob a copa de uma grande arvore, barbudo, cabeludo e fedorento. Fazendo absolutamente nada o dia inteiro além de coçar seu saco, órgão que ele imaginava ter esse fim, já que na época não lhe parecia ter qualquer outra serventia.

Toda a magnífica criação de Deus parecia ameaçada. Dias e dias trabalhando para entregar tudo na mão de um hippie que não fazia absolutamente nada... nem artesanato.

Deus estava frustrado e então resolveu que precisava criar uma companheira para o homem. Afinal, todos os outros animais tinham suas companheiras e nenhuma delas parecia se adequar as necessidades do homem. Então Deus respirou fundo, se encheu de inspiração, pegou na pena e desenhou a mulher.... magnífica criatura.

Ela chegou no paraíso apavorando com o sossego do homem. Não demorou muito para ele entrar nos eixos. Afinal, agora tinha que estar apresentável para aquela que era a mais linda entre as criaturas criadas por Deus. Todas as imagens retratadas nas escrituras sobre isso, mostram o homem pós mulher. Antes disso era uma figura bastante lamentável. Cortou o cabelo, fez a barba e tratou de entrar em forma. Ela exigia um bocado de esforço. Era ele que tinha que fazer tudo agora, para ela, e em troca... bem... eles se entendiam:

- Dãozinhoo?
- Sim Eva, minha querida. Aqui estou!
- To com fome, traz um fruto da arvore proibida pra mim!!
- Mas Eva meu bem, vois sabeis que Deus nos proibiu de tal feito. Não devemos comer os frutos da arvore proibida.
- A Dãozinho deixa de ser bundão!! Só umzinho vai! Pra sua Evinha! Eu prometo que faço aquilo com você mais tarde!
- Jura?
- Juro!
- Esta bem então meu amor!! Vou lá buscar!!


As mulheres são o máximo da criação de Deus, que, caso tenha realmente feito algo mais completo guardou só para ele lá no céu.

Elas são mães, irmãs, amigas, confidentes, lavam, passam, cozinham, dirigem corporações, governam nações, cuidam da casa e tentam se manter sempre lindas, cheirosas, gostosas, serem amantes maravilhosas e companheiras para toda a vida. Tudo isso sob uma pele macia e um olhar cativante que de uma forma ou de outra acaba nos amolecendo.

Neste dia eu não poderia deixar de vir fazer uma homenagem embora eu particularmente pense que todo dia seja dia internacional da mulher assim como todo dias é dia dos pais, todo dia é dia das mães e das crianças. Somos todos iguais afinal de contas e todos os dias são importantes.

De nada adianta proclamar dia de alguma coisa se em todos os outros dias não dermos o devido valor e respeito aquilo que estamos homenageando.

Minhas mais sinceras homenagens a todas vocês que fazem com que a vida valha a pena. Compartilhar de suas paixões, desejos, receios ou medos me torma um homem melhor a cada dia...

Beijos e abraços carinhosos a todas as mulheres.


Leandro Ferreira

Foto: Jacek Pomykalski

segunda-feira, janeiro 16, 2006

O Deus Serpente - Parte IV - R I T U A L S

O silêncio do salão era opressor. Eu repassava na minha mente tudo que havia acontecido comigo desde que cheguei ao Vale dos Reis. Minha excursão solitária, a busca obstinada pelo templo do deus Seth, o anoitecer no vale, minha jornada através da escuridão do deserto, minha captura pelo possuidor da sinistra voz. Tudo parecia estar ligado de alguma forma, deveria Ter de fato acontecido, mas por que?

Parecia que eu tinha finalmente encontrado o que vim procurar como turista mas como homem, muitas respostas ainda deveriam ser reveladas antes da noite terminar.

Senti um pequeno tremor de impacto sob meus pés, depois outro e mais outro desta vez mais forte. Meus ouvidos já acostumados com o silêncio do grande salão não tiveram a menor dificuldade em perceber breves ruídos e murmúrios que aos poucos foram ficando cada vez mais altos. Não conseguia identificar a direção exata de onde vinham mas foram aos poucos enchendo o salão e me causando um temor ainda maior.

Sim, era uma espécie de mantra entoado em uma língua que eu desconhecia. Repetiam incessantemente algo que hoje consigo recordar com clareza do som “S´lam er ria’m co’bat Ian S´lam er ria’m crissit er viar’ lam””

E eu vi então surgirem de trás das colunas do salão inúmeras pessoas vestindo longas batas negras e com capuzes sobre suas cabeças. Na mão esquerda traziam uma tocha cujo no cabo uma serpente fora esculpida e reluzia dourada com a luz do fogo e na mão direita que pousavam sobre o peito traziam cada um uma serpente negra que enrolada ao braço do condutor saia de dentro da bata.

Foram entrando e posicionando-se em volta do salão formando um grande circulo no qual fiquei no interior. Eu não tinha coragem de pronunciar qualquer som que parecesse quebrar o incessante mantra que era entoado. Fiquei ali ouvindo e uma estranha calma me tomou por completo. Aquilo que eu estava vendo e toda a situação em que eu me encontrava já não parecia tão terrível quanto antes.

Percebi então que entre todos aqueles indivíduos trajando negro havia um diferente, sua bata ao invés de negra era vermelha, usava um capuz sobre a cabeça e era possível ver uma máscara sem qualquer expressão que cobria seu rosto. Ele entrou no circulo bem na minha frente trazendo em suas mãos um pequeno ídolo. Começou então a caminhar pelas bordas do circulo com o ídolo erguido a sua frente e os outros, vestidos de negro, quando o ídolo passava a sua frente, faziam uma reverência curvando-se e erguendo o braço direito. Aquele que trazia o ídolo fez toda a volta no salão e depois foi se aproximando da jaula onde eu estava, sempre com o pequeno ídolo erguido sobre a cabeça. Ao chegar a menos de um metro de mim baixou o ídolo para que eu pudesse velo. Era uma serpente negra, feita de um material que parecia pedra. Era tão bem esculpida que parecia de fato estar viva. Sua cabeça era longa e a boca era grande e coberta de dentes. Não era uma serpente qualquer embora eu não tivesse a mínima idéia do que era.

Minha surpresa foi que quando aquele que trajava vermelho, que chamarei de sacerdote a partir de agora me mostrou o ídolo, minha cabeça se curvou e eu também fiz minha reverência a algo que eu não sabia o que era. Ele então murmurou em uma voz tão grave e assombrada quanto aquela que escutei no vale antes de acordar neste lugar:


“Eri’ a tam ria’m S´lam er ria’m

se a tam S’lam er ria’m ar fam”

E dito isso ouvi um baque surdo sobre minha jaula que começou lentamente a ser erguida. O sacerdote começou a se afastar sempre de frente para mim mostrando o ídolo. Foi até o alçapão e cuidadosamente pouso o ídolo no chão próximo ao lacre que fechava o buraco.e o que quer que houvesse lá embaixo.

Eu estava livre da minha prisão, todavia, não sentia qualquer necessidade de sair do lugar onde eu estava. Eu podia correr em direção as pessoas que ali estavam, tentar forçar minha passagem e alcançar a parte de traz de uma das colunas que era o caminho pelo qual eles haviam entrado, mas não, eu não queria aquilo, eu queria ficar ali para ver o que iria acontecer, mesmo que isso pudesse custar muito caro.

Quando o sacerdote colocou o ídolo no chão o mantra entoado pelos demais indivíduos cessou por completo e uma vez mais o grande salão ficou em silêncio absoluto, ainda que estive tomado por talvez uma centena de pessoas.

Em minha mente passaram-se horas de silêncio enquanto na verdade, talvez tenha se passado apenas poucos segundos até que o sacerdote começasse a entoar um novo mantra. Aos poucos os outros indivíduos começaram a se curvar para colocar no chão as serpentes que traziam enroladas em seus braços direitos. Curiosamente todas elas, ao serem liberadas, rumavam para o alçapão e mais especificamente para o ídolo que lá estava perto do lacre.

As serpentes então, depois de terem passado pelo ídolo desapareciam sob o alçapão através de um pequeno orifício próximo ao lacre. No entanto, do angulo que eu observava, elas pareciam na verdade estar entrando no próprio ídolo, a descrença sobre aquele fato me levou a levantar de onde eu estava para tentar de outro angulo perceber se aquilo estava realmente acontecendo.

Rapidamente caminhei até a borda do alçapão para ver de perto o que acontecia, sem sequer lembrar da situação e do lugar onde eu me encontrava ou muito menos me importar com a grande quantidade de serpentes que estavam espalhadas no chão ao meu redor rumando para o mesmo ponto que eu estava. Ao ver o buraco por onde elas desapareciam e perceber que de fato não era nenhum tipo de magica que estava acontecendo ali, voltei a minha atenção para o salão e percebi que todos os presentes, incluindo o sacerdote estavam prostrados com os rostos no chão e entoavam juntos novamente um mantra, desta vez mais forte e mais sinistro que o primeiro.

A Bela


Expressão de pura essência
Ressurgimento em mim do que é belo
Nas trilhas emaranhadas pelas quais ando.
Fecho os meus olhos
para ver teu rosto no fim do caminho

Centelha de vida que cai no vazio da ilusão
Afoga a loucura nas próprias lágrimas
para amanhecer sorrindo
Resto de noite com sabor de luxuria
Corpos cansados e profundamente dormindo.

Miragem ou sonho?
Santo ou demônio?
A Bela afaga a fera e a conduz para a beira do abismo


Foto: Sara Lando

terça-feira, dezembro 13, 2005

Dimensão Tererê


Para onde pode ter ido toda a angustia?
Todo o sofrimento?
Não sei, entrei na Dimensão Terere
Alivio imediato de qualquer sensação nociva.
A vida em sua essência orgânica, brilha.
Já não resta nem dor nem magoa.
Tudo é alegria.

Estar vivo, sentir o calor que o sol emana
Beijar a boca que pede,
correr descalço na grama.
Respirar como se fosse a primeira vez

Slide...

Surfando sobre hipnóticas ondas de som
Protegido na Dimensão Tererê o que é bom
Flutuo sobre um mar de gente que grita

Energia, celebro a vida.

É pra lá que nós vamos
Um portal de luz se abrirá
Nos sugando para aquele lugar
É pra lá...

Justamente para lá
Pra lá que nós vamos.
Dançar sim
Enlouquecer sim
Argumentar sobre o nada
E divagar sobre tudo

A dimensão Tererê se apresenta
E definitivamente esse nome sustenta
A genialidade da coisa toda

Respiramos a razão bem fundo pela ultima vez
Antes de passar pelo portal
E neste outro mundo amanhecer
Dimensão Tererê

Aqui vamos nós
Para o lugar onde os relógios parecem parar
E a felicidade é capaz de reinar
Na eternidade de um segundo

Me chama quando o sonho acabar
Me desperta com um beijo doce e profundo
Ou então me deixa dormir para sempre
Na Dimensão Tererê.
Nosso outro mundo.



Foto: Ryan Pfeiffer

sábado, dezembro 10, 2005

Tapera


Tinha finalmente voltado para casa. Refugio absoluto de paz e serenidade. Mas ao invés de encontrar as coisas como costumavam estar, com seus cães brincando no quintal e seus pais sentados na grande varanda chimarreando no final da tarde, encontrou tudo muito diferente.

A porteira, estava escancarada para traz e o pátio mostrava sinais de abandono. Não era de pouco tempo como ele pode perceber as ervas daninhas tinha tomado conta do que antes era um vistoso gramado coberto de flores do campo. A grande casa estava desabitada. Só alguns gatos domésticos, agora selvagens pela ausência humana,trilhavam pelas sombras.

O vento uivava por entre as frestas e aberturas da casa iluminada por um vermelho sangue do sol poente próprios dos banhados. A grande mesa que ficava na sala estava quebrada. Alguns moveis ainda restavam apodrecidos pelo descaso e agora serviam de abrigo para aranhas e outros estranhos habitantes.

Fez questão de percorrer os quartos e a cada passo, antigas lembranças corriam de uma porta para a outra. Viu o que sobrou de sua antiga cama. Alguns trapos velhos ainda restavam numa das prateleiras do seu velho armário. Coisas que ele tinha deixado para trás no dia em que resolveu ir embora. Para a cidade, para um mundo novo que lhe esperava.

E agora, ali sozinho na Tapera, vendo tudo que deixou para trás, ele chorava. Talvez, se tivesse ficado, as coisas fossem diferentes agora. Talvez tivesse uma outra história para contar que não essa. De ter deixado o mundo pelo qual tanto ansiava para trás e ter decidido enfim voltar para casa.... tarde demais.

Passou pela varanda e cruzou o quintal sem olhar para trás. Fechou a porteira atrás de si e pegou novamente a estrada. Ali, o tempo maldito não esperou, assim como nos outros lugares por onde passou. Enfim, nada havia restado do seu passado. E rumando para seu destino ainda desconhecido reinventou um novo homem.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

A Voz do Eddie



Já ouvi tantas vozes! Tão lindas e suaves vozes. Rasgadas ou sensuais, roucas ou desafinadas, são sempre vozes. Mas nenhuma delas é ou será como a voz do Eddie.

Existem milhões de cantores ao redor do mundo com os mais lindos timbres e mais impressionantes tessituras. Mas para mim não sobra a menor dúvida que se na presença de Deus eu estivesse e Ele me deixasse escolher entre todas as vozes que já escutei, escolheria a voz do Eddie.

Exprimido na grande multidão eu ouvi essa voz que tanto admiro e que até certo ponto invejo cantando ao vivo. Admito, eu invejo mesmo! Por poucas coisas nesse mundo eu tenho esse sentimento mesquinho e uma delas é a voz do Eddie.

Ter visto o Pearl Jam tocar foi realizar um sonho que há muito tempo eu tinha. E por duas horas e quinze minutos a voz do Eddie ecoou por toda a pedreira levantando uma energia como poucas vezes eu vi num show.

Tem momentos que ele corre de um lado a outro do grande palco, sobe numa das caixas de som e dá um grande salto. Outros ele senta na beira, fuma e toma vinho, muito vinho. Ensaia frases em português, volta para o seu inglês de Seathe e manda mais músicas. O show não para, a galera não para e eu, lá no meio, enlouqueço.

Tem músicas que eu podia ter pulado muito, mas não pulei. Fiquei parado olhando para aquela banda e escutando a voz do Eddie, simplesmente hipnotizado. E admito que por duas vezes chorei, como um verdadeiro retardado. Macaco de auditório espremido na grade na frente do palco com a voz do Eddie cantando pra mim.

A Pedreira lotada, uma noite de estrelas no instável céu de Curitiba, os amigos na volta e o Pearl Jam tocando a uns cinco metros de mim. E naquele momento, nada parecia poder ser mais perfeito. To realizado, muito realizado.

sexta-feira, novembro 25, 2005

Limiar


Bastou que o acaso ocorresse,
a mente abrisse
e as idéias escorressem pelas paredes internas do crânio rumo ao nada.
Tava feita a merda toda...
ressurge a saudade que mata.

Caiu então
em um buraco negro e lamacento
que se abriu em algum canto do cosmos.
Roubou o fruto da arvore proibida e devorou sozinho,
Bebeu o veneno que completava o cálice
como se fosse um bom vinho
Não viu anjos
E por todos os demônios
Mais uma vez se viu cercado de vazio

Ardido como pimenta
Teórico da conspiração perfeita
Submundo feio da própria existência
Que não se ama
Não se permite
nem deixa
Que nada e ninguém atrapalhe suas rotas de fuga.

Digníssimo filho de Deus
Ilustre cidadão
Profissional competente
Amante hipócrita
Cafajeste
contente
Prisioneiro das masmorras de uma rainha má
Deseja ser desejado por todo desejo que há

Vezes violento
Outrora sedento
Se contenta com pouco
Quase nada
Um olhar
Um carinho
No limiar da mente que vaga
se joga de cabeça no vento.

Preso eternamente
E vagando livre por ai
Entre o céu e o inferno
Ri de tudo e chora por nada
Tudo que toca morre ou se estraga
Amaldiçoado seja ele
Por que para mim já não sobrou mais nada.
Foto: Asya Scheen

sábado, novembro 19, 2005

O Deus Serpente - Parte III - R E V E L A T I O N S


Não sei se devido ao cansaço que se abatia sobre meu corpo acabei adormecendo na escuridão do deserto enquanto contemplava as estrelas ou se de fato eu vivenciei todas as circunstâncias que a seguir descrevo. Não posso prova-las cientificamente como exigiria uma junta de especialistas e devo isso ao desespero de minha fuga, caso tenha sido real, pois perdi em algum lugar em meio aquelas ruínas a prova que satisfaria tanto uma comunidade científica quanto a minha própria dúvida quanto a veracidade dos fatos e por isso lamentarei o resto de minha vida.

Se foi um delírio um sonho ou a realidade o que de fato aconteceu é que enquanto observava o céu e as estrelas, pude sentir sob os meus cotovelos apoiados na areia pequenos tremores de impacto. Um após o outro em uma cadência lenta e incessante, cada vez mais próximos. O silêncio de repente tomou conta do vale, nenhum rato, nem coruja, nada se ouvia. Mesmo o eco provocado pelo vento tinha cessado, foi quando ouvi o relinchar de um cavalo e o barulho de seus cascos sobre uma pedra em algum lugar não muito distante.
O pavor me percorreu a espinha de uma forma tão surpreendente que não permitia que eu mexesse um único músculo. Fiquei ouvindo o som cada vez mais próximo, parecia vir de todas as direções...
Se aproximando,
Próximo,
Muito próximo,
Até que parou, talvez a menos de 2 metros a minha frente. Eu simplesmente não conseguia me mexer. Sabia que havia alguma coisa ali, mas eu não podia mais ouvi-la ou muito menos vê-la. O mundo parecia Ter se fechado sobre mim, a escuridão tornou-se ainda mais opressora, tentei gritar mas não consegui. Senti algo apertar o meu peito contra o chão, não tinha forças para reprimir aquilo, eu simplesmente não comandava mais o meu corpo... Um sussurro rompeu o silêncio perpétuo e o que eu escutei, hoje consigo traduzir somente desta forma.
“Eri’ a tam ria’m S´lam er ria’m”

(continua)