O silêncio do salão era opressor. Eu repassava na minha mente tudo que havia acontecido comigo desde que cheguei ao Vale dos Reis. Minha excursão solitária, a busca obstinada pelo templo do deus Seth, o anoitecer no vale, minha jornada através da escuridão do deserto, minha captura pelo possuidor da sinistra voz. Tudo parecia estar ligado de alguma forma, deveria Ter de fato acontecido, mas por que? Parecia que eu tinha finalmente encontrado o que vim procurar como turista mas como homem, muitas respostas ainda deveriam ser reveladas antes da noite terminar.
Senti um pequeno tremor de impacto sob meus pés, depois outro e mais outro desta vez mais forte. Meus ouvidos já acostumados com o silêncio do grande salão não tiveram a menor dificuldade em perceber breves ruídos e murmúrios que aos poucos foram ficando cada vez mais altos. Não conseguia identificar a direção exata de onde vinham mas foram aos poucos enchendo o salão e me causando um temor ainda maior.
Sim, era uma espécie de mantra entoado em uma língua que eu desconhecia. Repetiam incessantemente algo que hoje consigo recordar com clareza do som “S´lam er ria’m co’bat Ian S´lam er ria’m crissit er viar’ lam””
E eu vi então surgirem de trás das colunas do salão inúmeras pessoas vestindo longas batas negras e com capuzes sobre suas cabeças. Na mão esquerda traziam uma tocha cujo no cabo uma serpente fora esculpida e reluzia dourada com a luz do fogo e na mão direita que pousavam sobre o peito traziam cada um uma serpente negra que enrolada ao braço do condutor saia de dentro da bata.
Foram entrando e posicionando-se em volta do salão formando um grande circulo no qual fiquei no interior. Eu não tinha coragem de pronunciar qualquer som que parecesse quebrar o incessante mantra que era entoado. Fiquei ali ouvindo e uma estranha calma me tomou por completo. Aquilo que eu estava vendo e toda a situação em que eu me encontrava já não parecia tão terrível quanto antes.
Percebi então que entre todos aqueles indivíduos trajando negro havia um diferente, sua bata ao invés de negra era vermelha, usava um capuz sobre a cabeça e era possível ver uma máscara sem qualquer expressão que cobria seu rosto. Ele entrou no circulo bem na minha frente trazendo em suas mãos um pequeno ídolo. Começou então a caminhar pelas bordas do circulo com o ídolo erguido a sua frente e os outros, vestidos de negro, quando o ídolo passava a sua frente, faziam uma reverência curvando-se e erguendo o braço direito. Aquele que trazia o ídolo fez toda a volta no salão e depois foi se aproximando da jaula onde eu estava, sempre com o pequeno ídolo erguido sobre a cabeça. Ao chegar a menos de um metro de mim baixou o ídolo para que eu pudesse velo. Era uma serpente negra, feita de um material que parecia pedra. Era tão bem esculpida que parecia de fato estar viva. Sua cabeça era longa e a boca era grande e coberta de dentes. Não era uma serpente qualquer embora eu não tivesse a mínima idéia do que era.
Minha surpresa foi que quando aquele que trajava vermelho, que chamarei de sacerdote a partir de agora me mostrou o ídolo, minha cabeça se curvou e eu também fiz minha reverência a algo que eu não sabia o que era. Ele então murmurou em uma voz tão grave e assombrada quanto aquela que escutei no vale antes de acordar neste lugar:
“Eri’ a tam ria’m S´lam er ria’m
se a tam S’lam er ria’m ar fam”
E dito isso ouvi um baque surdo sobre minha jaula que começou lentamente a ser erguida. O sacerdote começou a se afastar sempre de frente para mim mostrando o ídolo. Foi até o alçapão e cuidadosamente pouso o ídolo no chão próximo ao lacre que fechava o buraco.e o que quer que houvesse lá embaixo.
Eu estava livre da minha prisão, todavia, não sentia qualquer necessidade de sair do lugar onde eu estava. Eu podia correr em direção as pessoas que ali estavam, tentar forçar minha passagem e alcançar a parte de traz de uma das colunas que era o caminho pelo qual eles haviam entrado, mas não, eu não queria aquilo, eu queria ficar ali para ver o que iria acontecer, mesmo que isso pudesse custar muito caro.
Quando o sacerdote colocou o ídolo no chão o mantra entoado pelos demais indivíduos cessou por completo e uma vez mais o grande salão ficou em silêncio absoluto, ainda que estive tomado por talvez uma centena de pessoas.
Em minha mente passaram-se horas de silêncio enquanto na verdade, talvez tenha se passado apenas poucos segundos até que o sacerdote começasse a entoar um novo mantra. Aos poucos os outros indivíduos começaram a se curvar para colocar no chão as serpentes que traziam enroladas em seus braços direitos. Curiosamente todas elas, ao serem liberadas, rumavam para o alçapão e mais especificamente para o ídolo que lá estava perto do lacre.
As serpentes então, depois de terem passado pelo ídolo desapareciam sob o alçapão através de um pequeno orifício próximo ao lacre. No entanto, do angulo que eu observava, elas pareciam na verdade estar entrando no próprio ídolo, a descrença sobre aquele fato me levou a levantar de onde eu estava para tentar de outro angulo perceber se aquilo estava realmente acontecendo.
Rapidamente caminhei até a borda do alçapão para ver de perto o que acontecia, sem sequer lembrar da situação e do lugar onde eu me encontrava ou muito menos me importar com a grande quantidade de serpentes que estavam espalhadas no chão ao meu redor rumando para o mesmo ponto que eu estava. Ao ver o buraco por onde elas desapareciam e perceber que de fato não era nenhum tipo de magica que estava acontecendo ali, voltei a minha atenção para o salão e percebi que todos os presentes, incluindo o sacerdote estavam prostrados com os rostos no chão e entoavam juntos novamente um mantra, desta vez mais forte e mais sinistro que o primeiro.